O pintor de Anjos

Acontecendo no mundo - 1 de dezembro de 2014

Hoje a Michellangello Art Gallery vai dividir com você uma história muito bonita e emocionante: a de homem que só tinha a pintura como companhia na vida e acabou criando anjos, mesmo depois da morte.

Foto do Anjo da Guarda

Morava lá perto de casa e pouco sei sobre ele. Não o conhecia muito, mas das poucas vezes que por lá apareci, deixou escapar que era sozinho no mundo, viúvo, sem filhos ou parentes conhecidos. Na garagem de sua casa montou um ateliê para pintar quadros. Só figuras de anjos, e era cada um mais lindo que outro.

Certo dia, pediu-me aquele velho homem que eu deixasse dois quadros seus num marchand, e assim fiz. Continuei a visitá-lo esporadicamente, envolvido com meu cotidiano corrido. Ele sempre insistia que eu ficasse, que provasse do seu café (bastante amargo), que ouvisse suas histórias, que desse palpites nas pinturas. Solidão, coitado. Mas eu pouquíssimas vezes o atendi, e quase sempre me despedia com uma desculpa de compromissos – hoje nem me lembro quais eram.

Então ele adoeceu, ficou internado inconsciente na Santa Casa de Misericórdia, onde eu (apenas eu) passava para visitá-lo quando dava. Morreu há três anos numa manhã chuvosa. Acredito que um dos anjos de suas pinturas tenha vindo buscá-lo. Como não havia herdeiros, seus bens foram desapropriados pelo município. E estranhamente quadro algum foi encontrado.

Lembrei-me hoje desses acontecimentos porque logo cedo a campainha de casa tocou e era um serviço de entrega. Dentro da caixa havia um cheque generoso e um cartão daquele marchand lá de bastante tempo atrás. Os dois quadros do velho foram vendidos por uma pequena fortuna. Que faço agora? Ficar com isso não posso. Dar o dinheiro para a prefeitura, então, nem pensar, por razões óbvias. Decidi doar.

Sacrifiquei minha hora de almoço e fui até uma creche que cuida de crianças carentes. Lá tem uma escolinha de oficina de artes, com alunos pobres de pés no chão e muita carência de material escolar. Chamei a supervisora, expliquei-lhe o ocorrido (antes que achasse que a caridade era minha) e lhe entreguei o cheque. Ela me abraçou e chorou, disse que naquele dia não havia nada na despensa para preparar o almoço das crianças.

Isso foi agora há pouco, mas eu escrevo este texto com lágrimas nos olhos. Acho que é um certo remorso porque fiquei tão pouco tempo ao lado daquele homem sábio e bom. Ou talvez seja constrangimento de ter eu uma situação financeira boa enquanto tantos passam por privações. De uma forma ou de outra, dentro de minhas limitações ajudei a dar um pouco de luz aos pequenos anjos daquela creche.

Adriano César Curado